A XP não seria o que é hoje se não fosse essa empresa americana
Uma das características mais geniais de Guilherme Benchimol, que levou a XP Investimentos a ser a gigante que é hoje, é a capacidade de “copiar” boas práticas de outras empresas e, muitas vezes, executá-las melhor que suas inspirações.
Uma das empresas usadas como benchmark pela XP, e que foi uma das grandes responsáveis por ela ser o que é hoje, é a americana Charles Schwab.
Em 2010, eu era um dos sócios e líderes do escritório de Brasília da XP Investimentos. Naquele ano, a crise que assolou o mundo em 2008 finalmente chegou com força à bolsa brasileira.
Foi um ano muito difícil para nós. O único produto que trabalhávamos era a mesa de operações. Oferecíamos o serviço de intermediação de compra e venda de ativos e derivativos na bolsa de valores.
Como o mercado perdeu liquidez, o IBOV passou o ano inteiro “de lado”, sem tendência definida.
Nesse cenário, a receita da empresa caiu vertiginosamente e a XP precisou se reinventar para achar um caminho de volta ao crescimento.
Mesmo no meio daquele momento difícil, a XP teve a entrada da Actis como sócia. Um movimento que, além da injeção financeira, trouxe muita inteligência de mercado.
Uma das principais recomendações foi para que usássemos como benchmark a Charles Schwab, uma das maiores plataformas de investimentos do mundo. (Hoje, ela vale mais de U$170 bilhões).
A partir dessa referência, surgiu o conceito do “shopping financeiro”. A XP deixou de ser apenas uma mesa de operações para se tornar uma plataforma que distribuía todos os produtos financeiros possíveis — como fundos e títulos de renda fixa — em um só lugar.
Acabei de ler o livro que conta a história de Charles Schwab e a empresa que ele fundou. Durante a leitura, levantei várias similaridades e diferenças entre a jornada deles e a história da XP Investimentos:
1. Ambas as empresas começaram do zero
Nenhuma das duas empresas começou em berço de ouro. Assim como Guilherme Benchimol e Marcelo Maisonnave fundaram a XP com capital mínimo, Charles Schwab começou sua empresa já aos 40 anos, e em um momento bem complicado da vida.
Depois de começar no mercado financeiro como analista de ações, ele empreendeu sem sucesso algumas vezes. Uma dessas empreitadas foi uma empresa de análise que vendia uma newsletter com recomendações de investimentos.
Após vários anos sem sair do lugar e com uma dívida crescente, ele teve a ideia de sua terceira empreitada: uma corretora com modelo inovador, focada em investidores que não precisavam de atendimento e buscavam corretagem barata. Em 1971, ele fundou o que o mercado chamou de “Discount Brokerage”.
Charles investiu pesado em marketing e tecnologia para crescer e ganhou espaço rapidamente. O mais impressionante foi sua coragem de abrir esse negócio após duas décadas péssimas para o mercado americano. Para completar, os anos 70 também não foram fáceis: a bolsa americana praticamente ficou “de lado”.
2. Diferença de cultura dos investidores
A XP sempre foi intensiva em atendimento; a Schwab, não.
Quando começamos a XP, nosso diferencial foi a educação. O investidor brasileiro mal sabia o que era bolsa de valores ou ações. A forma que encontramos para captar clientes foi através de cursos como o “Aprenda a Investir na Bolsa de Valores”, e isso coincidiu com um dos melhores momentos do nosso mercado financeiro.
O investidor só topava essa nova experiência se tivesse um atendimento próximo, com alguém disponível para conversar e explicar tudo o que estava acontecendo.
Essa é uma das maiores diferenças no início das duas empresas. O diferencial da Charles Schwab era o preço. Para entregar o menor valor do mercado, eles não ofereciam atendimento algum; apenas executavam as ordens na bolsa.
Isso só foi possível graças à cultura americana de investir em ações. Mesmo passando por momentos difíceis, o americano já conhecia e confiava nesse tipo de investimento e não precisou ser "educado" como o investidor brasileiro.
3. De mesa de operações a plataforma de investimentos
Após a crise da “Black Monday” em 1987, Charles Schwab procurou formas de diversificar a receita de sua empresa. Uma estratégia vencedora foi a aposta na plataforma para distribuição de fundos.
Após um estudo, eles perceberam que quase todo o dinheiro investido em fundos nos EUA estava nos grandes bancos. As gestoras independentes eram muito pequenas e não tinham capital nem credibilidade para “brigar” com esses players.
Foi quando a Charles Schwab sugeriu a essas pequenas gestoras a chance de captar clientes por sua plataforma, em troca de parte da taxa de gestão. Foi um “ganha-ganha”: as gestoras ganharam um canal de distribuição gigantesco e a Schwab passou a ter uma receita que antes não existia.
Essa história é extremamente parecida com o início da plataforma de fundos da XP, em 2011. O trabalho de benchmark foi um sucesso. Várias gestoras independentes devem seu sucesso a esse canal de captação, que surgiu em um mercado até então concentrado nos grandes bancos.
4. David x Golias
A briga de "Davi contra Golias" — uma corretora independente contra bancos gigantescos e capitalizados — também ocorreu de forma parecida nos EUA e no Brasil.
A estratégia que utilizamos na XP foi bem parecida com a da referência americana.
Como éramos uma empresa pequena, com pouca credibilidade e marca desconhecida, nosso discurso focava nos conflitos de interesse dos grandes bancos, que ofereciam produtos ruins aos pequenos investidores. Divulgávamos a mensagem de que estávamos mais alinhados e "juntos na guerra" contra o sistema.
Algo muito parecido com o que a Apple fez por anos contra a Microsoft. Ter um “inimigo” declarado no mercado muitas vezes é uma ótima forma de engajar sua força de trabalho e seus principais clientes.
5. Credibilidade com novo sócio
As duas empresas tiveram um salto de credibilidade e crescimento no mercado com a entrada de um grande sócio estratégico.
A XP vendeu parte da empresa para o Itaú, e a Charles Schwab para o Bank of America.
Apesar do salto de credibilidade, a parceria da Charles Schwab não foi bem-sucedida. Logo após o deal, o Bank of America passou por dificuldades financeiras. Ao invés de fazer aportes para a Schwab alavancar seu crescimento, eles impuseram cortes de orçamento — mesmo a Schwab sendo um dos únicos ativos lucrativos do grupo.
Após cerca de dois anos, Charles Schwab fez um movimento corajoso e recomprou a empresa do Bank of America. O mercado continuou positivo nos anos seguintes, o que permitiu que ele pagasse toda a dívida contraída para realizar essa compra.
Já no caso da XP, o ganho com credibilidade foi imenso. A empresa passou para outro patamar, e os clientes grandes tiveram a confiança para investir todo o seu patrimônio na plataforma.
A XP manteve sua independência mesmo com o Itaú como sócio. A empresa realizou um IPO muito bem-sucedido na Nasdaq e, após alguns anos, o Itaú vendeu sua participação com um lucro altíssimo. Mesmo com a saída, o relacionamento não foi belicoso como no caso da Schwab.
6. B2C vs B2B
Uma diferença clara é que a XP deve a maior parte do seu crescimento a uma "tropa" de assessores B2B, enquanto grande parte da receita da Schwab vem de sua origem B2C.
Nesse ponto, as duas fizeram movimentos contrários para diversificar a receita.
No início dos anos 90, a área de compliance da Schwab percebeu que vários RIAs (assessores de investimentos independentes) estavam alocando seus clientes na plataforma. Após uma pesquisa, descobriram que os RIAs faziam isso porque a Schwab não assediava seus clientes, como os bancos faziam.
Com essa descoberta, eles criaram um projeto para atender esses profissionais, vendendo o discurso de que na Charles Schwab não haveria conflito de interesses. Os RIAs poderiam atender seus clientes sem problemas. O projeto foi um sucesso.
Já no Brasil, a XP usou o case da empresa americana como benchmark para continuar evoluindo sua plataforma e, ao mesmo tempo, investe em sua força de trabalho B2C, com a abertura de escritórios em vários lugares do país.
7. O último aprendizado para a XP
Nos anos 2000, a Charles Schwab passou por uma crise muito grande. Após 30 anos de crescimento acelerado, os investimentos foram exagerados e as receitas não corresponderam.
O conselho decidiu pela saída do CEO da época e pela volta de Charles à liderança. Um layoff gigantesco de 50% dos funcionários foi feito e somente em 2004 os resultados voltaram a melhorar. O custo emocional e cultural foi enorme.
Na minha opinião, a XP ainda não enfrentou uma crise desse tamanho. Aprender com os erros da empresa americana é fundamental para que ela não precise passar por esse mesmo estresse.
E você, quais outras semelhanças e diferenças identifica entre a XP e a Charles Schwab? Deixe sua opinião nos comentários!
Se quiser comprar o livro que conta a história de Charles Schwab, você pode encontrá-lo neste link.
Gostou desta análise? Então curta, compartilhe com seus colegas e não deixe de se inscrever na minha newsletter para receber mais insights como este!